domingo, 22 de agosto de 2010

Entrevista com João Pedro Stédile, MST.


Compartilho aqui a entrevista que eu e dois companheiros realizamos com o membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stédile, nesta sexta-feira, para a Tv venezuelana Telesur. Ela já foi veiculada pelos jornais de lá durante todo este final de semana.

Como fizemos para TV, são perguntas sucintas para respostas breves e o contexto são as eleições no Brasil.

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1- O que está em jogo nestas eleições?
Essas eleições representam o julgamento de duas questões fundamentais na sociedade brasileira. A primeira é uma comparação do governo Lula com o governo Fernando Henrique. O governo Fernando Henrique foi um governo neoliberal, que entregou todas as riquezas do nosso país para o capital internacional. O governo Lula brecou o neoliberalismo. Então as pessoas vão estar julgando, você quer voltar ao neoliberalismo ou quer continuar com o governo Lula, onde não houve transformações estruturais, porém brecou o neoliberalismo. A segunda questão que está em jogo é quais são as forças sociais que estão por trás de cada candidatura. A candidatura Serra representa a grande burguesia paulista, aliada com o capital internacional ou capital financeiro, os latifundiários e a classe média conservadora. E praticamente não há nenhum setor da classe trabalhadora que apóia a candidatura Serra. Na candidatura Dilma, nós temos um setor da burguesia nacional que já estava aliada com o Lula e permanece, um setor do agronegócio mais moderno, a classe média mais politizada e praticamente toda a classe trabalhadora. Posso garantir que uns 90 porcento de todas as forças organizadas da classe trabalhadora estão com a Dilma. Então esta é a questão fundamental, mais do que debate de projetos ou de idéias, que infelizmente pelos métodos de campanha brasileiros se resumem a marketing eleitoral na televisão, mas o fundamental para nós entender é que há por trás das duas candidaturas um confronto de classe, de interesses de classe, do que representa o Serra e do que representa a candidatura Dilma.

2 - Caso a Dilma ganhe, o MST tem esperanças de que a Reforma Agrária seja realizada?
A Reforma Agrária não é só uma questão de governo. A Reforma Agrária é uma disputa de projeto para a agricultura. Nós, os camponeses e trabalhadores rurais temos uma proposta de organizar a produção. Os capitalistas e as transnacionais têm outra. E é isso que se confronta. E o governo tá no meio. O que vai depender de nós avançarmos na Reforma Agrária é se a sociedade brasileira como um todo retomar as lutas de massas, que nós, desde a década de oitenta estamos em refluxo. Então, na verdade a classe trabalhadora é que está em refluxo. O que nós esperamos como uma hipótese otimista é que no governo de Dilma se criarão condições mais propícias para haver debate político na sociedade, para haver participação mais ativa da classe trabalhadora. E nessas circunstâncias, então, se crie um ambiente político que possamos avançar em direção a reformas estruturais no Brasil, não só em relação à Reforma Agrária, mas também em relação aos temas da moradia, do ensino superior, enfim, daqueles temas que interessem e precisam mudanças estruturais e não apenas barrar o neoliberalismo, como foi no governo Lula.

3- E no caso do Serra? A política internacional brasileira se alinharia às políticas conservadoras de outros governos na América Latina e no mundo?
Claro. A candidatura do Serra representa os interesses da alta burguesia internacional. Eu imagino que o Departamento de Estado norte-americano esteja torcendo e investindo para que ele ganhe, porque de fato uma vitória do Serra, ao contrário, representaria também alterar a correlação de forças, não só no Brasil, para a direita, como a nível da América Latina. Os Estados Unidos se sentiriam mais fortalecidos para enfrentar o governo Chávez, para enfrentar o Evo Morales, para enfrentar o Correa no Equador. Então, para a conjuntura latinoamericana é fundamental que nós aqui no Brasil também consigamos derrotar a candidatura Serra.

4- Você comentou sobre um refluxo que vivemos. Descreva o momento em que o MST e os movimentos populares estão passando.
O contexto histórico geral da luta de classes no Brasil é que nós viemos de uma derrota para o neoliberalismo, que foi todo o governo Fernando Henrique, depois com a vitória do Lula estabilizou, criou um equilíbrio entre as forças do capital e do trabalho, e nós estaríamos nesta fase de resistência. Ainda não entramos no reascenso do movimento de massas em que a classe trabalhadora entra em ação, se mobiliza e vai para a ofensiva contra o capital. Nós esperamos que no governo Dilma se criem essas condições para que a classe trabalhadora participe mais ativamente. E os movimentos sociais estão justamente nesta posição, embora nós somos partidos e não necessariamente precisamos indicar em quem votar, mas obviamente e necessariamente, todos das forças dos movimentos sociais estamos lutando para derrotar a candidatura Serra porque uma vitória do Serra seria uma derrota da classe trabalhadora. Seria impor condições que com a volta do neoliberalismo representa para os movimentos sociais uma única coisa que é a repressão porque a burguesia brasileira e internacional, como não quer resolver os problemas do povo, a única maneira de ela conter o povo é na base da repressão. Então, um governo Serra, que felizmente não acontecerá, espero, ele representaria um agravamento dos processos de repressão em nosso país, como, aliás, a direita faz em toda a América Latina, no México, na Colômbia, no Peru e no Chile.

5 - Na época das eleições para o segundo mandato do Lula, o MST fez o seu apoio de maneira muito mais tímida que anteriormente. Qual será a posição do MST nestas eleições?
O MST, como não é um partido, é um movimento social, ele tem que preservar sua autonomia, ou seja, ele não tem obrigação de fazer campanha eleitoral. No entanto, a nossa militância e a nossa base social como cidadãos brasileiros, tem obrigação de participar ativamente das eleições e estão participando, mas isso independe da direção do MST. Isso eles fazem por sua consciência de militantes. E 100% da militância do MST está engajada nesse momento em fazer campanha política para derrotar a candidatura Serra. Essa é a linha que foi adotada por todos os militantes.

6 - Qual o balanço feito destes últimos 8 anos de governo Lula na questão agrária?
A Reforma Agrária está empacada. Ela está numa situação de uma espécie de encruzilhada. Por que? Porque as forças do capital internacional vieram para o Brasil e investiram muito dinheiro. Portanto hoje a agricultura brasileira está a mercê das transnacionais. E isso é uma força poderosa. Nós do MST estávamos acostumados a lutar pela Reforma Agrária enfrentando apenas o latifúndio improdutivo atrasado. Agora não, quando nós ocupamos uma fazenda, nós encontramos do outro lado um banco, uma empresa transnacional, a grande mídia burguesa. Então a força que nós temos que enfrentar para avançar a Reforma Agrária é muito maior. E do lado de cá, ainda nós não criamos uma aliança suficiente dos camponeses sem-terra com os demais setores da classe trabalhadora. Então a nossa força é fraca para enfrentar um inimigo tão poderoso. Aí porque a Reforma Agrária mais do que governo, vai depender também do reascenso do movimento de massas em geral para que isso represente uma força acumulada da classe trabalhadora que consiga enfrentar esses poderosos interesses do capital internacional que estão tomando conta da agricultura brasileira. De novo, nós somos otimistas. Nós achamos que no próximo período o povo brasileiro vai voltar a se mobilizar, vai voltar a se organizar para lutar por mudanças estruturais na sociedade brasileira. E a Reforma Agrária será uma das mudanças necessárias para nós podermos resolver os problemas do povo.

7 - Na avaliação do MST, qual o tratamento que a mídia vem dando às eleições e aos candidatos?
Na época do capitalismo industrial a burguesia reproduzia as suas idéias através dos partidos políticos, das Igrejas, dos sindicatos. Hoje, na etapa do capitalismo internacionalizado, dominado pelo capital financeiro, a principal arma ideológica que a burguesia tem no Brasil e no mundo é a televisão. Então os meios televisivos do Brasil, da América Latina e do mundo são absolutamente controlados pela burguesia que usa isso como uma arma, uma arma ideológica para derrotar a classe trabalhadora e derrotar os governos progressistas. Então, todos os temas que dizem respeito ao povo, aos governos progressistas e à esquerda, a mídia burguesa ataca como inimigo. Aqui no Brasil, assim como em toda a América Latina, a mídia burguesa procura demonizar o Chávez, demonizar o Fidel, Cuba, o Irã, o MST. Ou seja, todos os que fazem lutas sociais e querem mudanças sociais, a mídia burguesa procura desmoralizar, procura atacar. Mas isto faz parte da luta de classe. Nós esperamos que o povo tenha consciência suficiente para perceber que a burguesia usa a televisão apenas como uma arma ideológica. E nós esperamos que a medida que vamos avançando com mais governos progressistas, como é a Venezuela, como é o Equador, como é a Bolívia, nós possamos também impor derrotas a esse controle monopólico que a burguesia tem dos meios televisivos.

8 - Quais os desafios que os movimentos populares na América Latina enfrentarão no próximo período?
O desafio fundamental que nós temos hoje na América Latina é que nós já conseguimos conquistar vários governos progressistas e eu espero, inclusive, que o governo da Dilma seja mais progressista do que o governo do Lula, não por comparações pessoais, mas pela correlação de forças, e nesse bojo agora nós precisamos avançar para a integração popular, que é o que tá condensado na proposta da ALBA. Ou seja, não basta mais nós elegermos apenas governos progressistas, nós temos que construir uma integração entre todos os países da América Latina, uma integração que perpassa a economia, os governos progressistas e, sobretudo, o povo, as forças populares. E nós dos movimentos sociais estamos envolvidos nessa articulação de movimentos sociais construindo a ALBA. E nós esperamos ainda esse ano fazer várias plenárias continentais e temos planejados para em março do ano que vem realizarmos uma grande assembléia continental de todos os movimentos sociais da América Latina que apostamos no projeto da ALBA para desenvolver concretamente ações de solidariedade, de integração e de união de forças entre todas as formas de organização do povo, seja do México, dos Estados Unidos, do Canadá, da Venezuela, do Brasil, do Paraguai, enfim, de todas aquelas formas que se organizam nacionalmente mas que precisam de uma integração continental para aumentar a sua força porque o inimigo é comum. O inimigo é o imperialismo dos Estados Unidos, é o capital financeiro internacional e as suas empresas internacionais. E esses três inimigos é que nós precisamos juntar uma força continental para poder derrotá-los.

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